quarta-feira, agosto 11, 2021


 








Canto da partida


Toda a partida é um adeus definitivo

Quando partes deixas para trás um mundo

Único, que o tempo irá alterar

Tal como te altera a ti

Guardas na memória um local

A que jamais regressarás.

Tudo muda, é assim a natureza das coisas

Até tu mudas e se ao regressares te recordas dos

Cheiros e das pessoas, e tentas repetir os gestos

Repetidos milhares de vezes

Desengana-te, nada é o que foi

Só na tua memória, e mesmo essa não é confiável,

Existe aquele mundo que viste ao partir

Partir é o cortar do cordão umbilical

Com os sítios e as pessoas

É um renovar doloroso do ciclo da vida

Um enterro do passado no tempo

O passado que sonhas encontrar quando regressas

Mas os lugares mudam, os cheiros mudam

As pessoas mudam

E de repente dás-te conta da realidade

E sentes-te um estranho numa terra estranha

Já não pertences ali, até os olhares te agridem

Já não és parte do clã, da matilha

Não és de parte nenhuma.

E ficas parado, desarmado pelas memorias

Que se desmoronam…

Como um castelo de cartas no vento.


Manuel F. C. Almeida


segunda-feira, agosto 09, 2021


 







De que te vale a vida se não vives?

Matas-te a trabalhar

e a cuidar de estar vivo para quê?

Todos os dias repetes os mesmos gestos

Sem alegria e apenas para

Sobreviver mais um dia merdoso,

Na esperança que tudo chegue ao

Momento de a vida ter sentido

Vais jogando em apostas estéreis e falaciosas

Sonhando com o eldorado que te prometem

Os que com esse dinheiro já lá estão

Arrastas-te para hipotecar a vida numa casa

Oi num carro para fazeres de ti

Prisioneiro do jogo dos bancos

E arregimentas-te numa organização qualquer

Que te promete dias melhores…sempre a trabalhar

Tens uma, duas, três, quatro

Ou mais relações a quem prometes amar

E que te prometem amar até que o tédio

Te cai nos braços e tu noutros braços

Para que o ciclo se repita

Todos te amam muito, tanto… que preferem

Ver-te morto a ser feliz na cama de outro alguém.

Depois vêm as doenças de que nunca te curam

Apenas te vão tratando para que

Não te sares e o teu salário sirva os

Que vivem das tuas maleitas

E continuas pé ante pé neste

Circo maldito em que vives sem dar conta

Que já não vives, apenas esperas

Obediente o momento de morrer.

 Finalmente és uma pessoa boa, honesta, trabalhadora,

Nada fizeste de importante, nada fizeste para a tua

Felicidade, mas deixaste um legado

Ao mundo… um ou mais filhos

Que irão continuar a jogar este jogo

E se tudo começou num momento de luxuria

Porque razão tem de acabar num

Momento de agonia?

Que se foda a vida, que se fodam as pessoas

Que se foda isto tudo porque nada faz sentido.

A liberdade é uma quimera e tu odeias ser livre

Odeias tanto que vais adicionando algemas e grilhetas

Com a máscara do socialmente aceitável

E se contas isto ao mundo olham-te como louco

Escarram à tua passagem e se puderem

Apagam-te das suas vidas e tu sabes que só nesse

Dia serás tu, feliz como és e pronto para viver.


sábado, dezembro 28, 2019

























Na sedutora tela do olhar
Criei uma imagem
Onde as mãos e os dedos
Cantam a difusa forma
Dos corpos
E adivinham o sal que escorre
Da pedra e se transmuta em
Diamante.
Semente líquida de rubro
Desejo, transparente tela de fogo
Onde o meu coração jaz,
Como uma flor no deserto
Num encanto mágico
De silêncios.

Manuel F. C. Almeida

quarta-feira, dezembro 04, 2019


















Do fundo da alma alguém te chama
E te ilumina o caminho. O seu corpo exala
O perfume dos tempos, como as estações
Do ano te recordam a condição humana
E os sons próprios da magia de acontecer.
Sentes a solidão, rodeado de caras estranhas,
Repetidas… e um dia a dia vivido na desolação
Da cegueira e da saudade.
A beleza do caminho é festejada por milhares de
Borboletas incandescentes, com todas as cores
Do universo que um dia tiveste na mão e que
Soltaste livre, como tudo o que se ama na verdade.
E a voz da tua alma cala-se, és tu que trazes luz
Ao caminho.

Manuel F. C. Almeida

segunda-feira, novembro 04, 2019

















Surgiste um dia sem temor
De cabelo solto, engalanado
Tomei-te o corpo, ainda em flor
Perdi-me em ti, apaixonado.

Mas tudo tem tempo de acontecer
Tudo é infinito quando dura
Mas a paixão tende a esmorecer
Como pedra quando a agua a fura

E se tudo tem um momento pra florir
E um outro momento pra entristecer
Saibamos enfrentar tudo a sorrir

Porque tudo tem um dia pra morrer
Tomemos então isso sempre a rir
E façamos com amizade outro viver.

Manuel F. C. Almeida

domingo, julho 28, 2019







Quando sentes que a terra te foge e levitas no ar, como uma folha seca,
Quando o amanhã se pinta de nevoeiro e da cor das pedras anónimas da colina
É tempo de te fechares por uns instantes num casulo e transformares os dias
Em momentos de primavera onde a vida se renova e a terra volta
Aos teus pés.


Manuel F.C. Almeida







quarta-feira, fevereiro 20, 2019
















Eu não creio em amores eternos
Nem em vida sem mudanças
A eternidade é muito tempo
E a cada momento tudo muda
Não tenho, pois, a ilusão
Que o olhar fique preso
Ou que o sentir se congele
Num tempo sem tempo
Num oceano sem marés
Num viver sem acontecer.

Sejamos então imortais
Do nascer até morrer

Manuel F. C. Almeida

terça-feira, dezembro 11, 2018
















Já nem recordo a idade,
Só a beleza indomável do teu rosto,
Que se mostrava ansioso
E nunca estava presente,
Engalanado pelo teu cabelo
Negro e por um olhar de amêndoas
Que teimava em não pousar
Na terra.
Já nem recordo se eras assim
Ou se eram os meus olhos
Que te construíam.

Manuel F. C. Almeida

terça-feira, dezembro 04, 2018






















Levantei-te nas minhas mãos Ao findar do dia,
Quando a noite toma conta das horas
E os silêncios se sentam dentro de nós
E nos ensinam a cor das palavras e dos sons.                                                                         
Abraçados, em silêncio tocámos os corpos
E experimentámos o sabor da presença,
No olhar que já não escondemos
E nos inunda com o desejo das mãos
Nuas que nos prendem os corpos aos corpos.

Manuel F.C. Almeida

terça-feira, novembro 27, 2018
















Eu não estou preso a ninguém
Nem sou propriedade privada
Nem quero que haja alguém
Que se sinta por mim agrilhoada

Cresci, envelheci e sempre mudei
Na vida nada fica imutável
Fui feliz e infeliz, quando amei,
E o prazer na vida nunca é estável

Ao sabor do vento asas soltei
Como uma gaivota em tempestade
E se na tempestade me aventurei

Sem rumo certo e sem passado
Quero que os outros possam voar
Em igualdade lado a lado

Manuel F. C. Almeida

quinta-feira, julho 26, 2018



















Tu tens de ser louco. Porquê?
Tu ainda não sabes
Mas pensas na tua vida
E na poesia que te prometeram
O arco iris, o amor, as flores adocicadas
A pele, o cheiro, o sexo, a vida.
Mas sentes que tudo não passa
De um logro
Uma invenção para conter essa raiva
Que cresce todos os dias
Em que te arrastas num mundo sórdido,
Sujo e feio
Em que o teu tempo de vida se consome
Em quimeras e num trabalho qualquer,
Em que te vês escravo e te mantem num limbo
Entre o que és e o que fizeram de ti.

Tu só podes ser louco por não
Meteres uma bala entre os olhos
Ou por te deliciares com um livro de férias
E acordares todos os dias com as costas
Voltadas para quem contigo dorme
E finges não saber que o amor se foi
Que a paixão já se consumiu,
Como um relâmpago na tempestade
E que o sexo é apenas o escape, a máscara
Que um dia colocas-te.
E que nem isso aplaca o ódio que sentes
Em surdina, um ódio de ti, do mundo, dos outros.
E dão-te os jornais e as revistas para te deliciares
Com a vida alheia, com os luxos
De quem nada fez ou faz
E representa melhor que tu
O papel da felicidade.

Manuel F. C. Almeida