sábado, junho 02, 2007





vale a pena reflectir:


"O filósofo português José Gil foi considerado pela revista francesa Le Nouvel Observateur como um dos 25 grandes pensadores de todo o mundo, ao lado de nomes como Amartya Sen, Peter Sloterdijk, Toni Negri e Simon Blackburn.A edição especial do Nouvel Observateur, que assim assinalou o seu quadragésimo aniversário, pretendeu fazer um levantamento daqueles que, na sua opinião, representam a consciência do tempo actual e são percursores do futuro.Segundo o Nouvel Observateur, a ilusão de uma comunicação global está a mascarar o facto de a barreira linguística dificultar o acesso da esmagadora maioria dos cidadãos ao que se faz no mundo na área da filosofia, antropologia e disciplinas similares."
Escreve este vulto do pensamento mundial na visão:


O “clima”
Em vésperas de eleições intercalares para a CML, encontramo-nos perante uma situação paradoxal. Com a multiplicidade dos candidatos independentes e de pequenos partidos, parece que o sistema político-partidário ficou abalado; a esquerda não combate uma oposição coligada, nem a direita, dispersa, enfrenta uma esquerda coesa e coerente. Uma coisa é certa: opondo-se assim ao sistema, a pulverização das candidaturas enfraquece os grandes partidos e contraria a actual «deriva» autoritária do nosso regime democrático.
«Deriva» será um termo demasiado forte. Mas a verdade é que os factos se sucedem: agora, depois do processo disciplinar a um professor pela piada sobre a licenciatura do primeiro-ministro, a identificação dos funcionários que fazem greve, mas também as inúmeras disposições, instruções, despachos, regulamentos, ordens, obrigações imparáveis que emanam dos ministérios (da Saúde, da Educação, da Administração) e que induzem comportamentos subservientes e medrosos que vão envenenando pouco a pouco as relações entre as pessoas. São miríades de pequenas coisas, aparentemente insignificantes, que não dão azo a notícia, mas que os médicos, os professores, os funcionários públicos vivem quotidianamente. Tudo isto gera um clima que vai fazendo bola de neve.
Um «clima» não é uma realidade vaga. É um meio contaminante que pode suscitar identificações e oportunismo. O exemplo vem de cima, não por afirmação de autoridade, mas por autoritarismo. Em geral, o chefe afirma-se autoritariamente quando não tem autoridade natural necessária para o fazer. O autoritarismo sobre compensa a a falta de autoridade, intensificando e sobre determinando os traços de poder que detém e, ultrapassando a fronteira que lhe concede o seu estatuto.
Vindo de cima, em regime democrático passivo, como o nossos, é recebido pelos patamares inferiores da hierarquia com efeito alucinatório que amplifica o poder do poder, a margem de que dispor quem manda e comanda. O impacto nos subordinados é traumático (mesmo quando bem aceite) mas provoca identificações que fazem ab-reagir (expulsar) a violência de que foram vítimas, descarregando-a sobre os patamares mais inferiores. Assim se formam pirâmides de pequenos chefes tiranetes de direcções gerais e secretarias que participam dessas mais valias de poder hierárquico (até às ultimas migalhas dos últimos postos de comando).
É lamentável que isto esteja a acontecer. Será que os portugueses não têm outro modelo de comportamento face ao poder senão a obediência passiva, a submissão e o medo? será por isso que têm saudades de Salazar? Que fez o poder socialista para promover a democracia, desenvolver a cidadania, incentivar a liberdade e a criatividade que as suas reformas deviam, necessariamente, suscitar? Foi para isto que nós votámos? É este o preço que se paga pelo equilíbrio do défice orçamental? Não chega dizer que estamos em democracia e que ela é respeitada. A liberdade e a democracia devem ser descobertas permanentes, conquistas de novos territórios interiores e exteriores.
Face a esta situação, esperemos que, durante um curto intervalo de tempo, a multiplicidade das candidaturas à câmara rompa a direcção única do discurso único, o clima único de veneração submissa ao poder, encarnados na sempiterna cassete dos grandes e de alguns pequenos partidos.


in "visão" 31-05-2007

Sem comentários: