segunda-feira, junho 22, 2009










Crónicas da liberdade.

Encontrei-a junto ao rio. Passeava devagar enquanto atirava pedras para a água. As pequenas ondas perpetuavam-se por tempo indefinido. Sentei-me na muralha que serpenteava o rio. Ela aproximou-se e sem dizer palavras sentou-se a meu lado. O cheiro dela inundou-me o dia. Ali ficamos, parados e calados em comunhão silenciosa com o rio e com a solidão que nos atacava a existência. Só a vi anos volvidos, numa pequena aldeia de pescadores em plena costa vicentina. Preparava-me para publicar o meu livro e disse-lhe que um pouco daquele silêncio de outrora vivia nas paginas da obra. Os seus grandes olhos azuis pararam a olhar-me e senti o vento a tomar-me o cabelo. Lentamente passou a língua pelos lábios, tirou um violino da mochila e tocou para mim. Tocou Bach e Mozart. Enquanto tocava recordei a solidão vivida anos antes. A loucura do silencio. O terror de uma existência adormecida. Morta. Só o silêncio do violino me arrancou ao silêncio do pensamento.
Senti a sua mão quente, quando a pousou sobre minha. Os nossos lábios tocaram-se. O beijo deixado no ar havia anos, só naquele momento aconteceu. Toquei-lhe a alma quando nos separamos. Finalmente tínhamos dado vida ao silêncio.

Manuel F. C. Almeida


fotoDuarte Victor

1 comentário:

Paulo Vilmar disse...

Manuel!
Dar vida ao silêncio, é o sonho eterno dos poetas!
Abraço!