terça-feira, dezembro 28, 2004

poema sobre a tragédia de ser

Começas por ser criança. Por desejar agradar aos teus pais, amigos e à sociedade em geral. Estudas, ou não, depende da tua condição social e das expectativas que crias ao crescer. Durante esta 1ª fase de crescimento fazes as coisas por imitação, não raciocinas, limitas-te a copiar porque sabes que se copiares és aceite e tu queres ser aceite. Cresceste, és homem ou mulher, tens um curso superior ou não. Mas estás desde já formatado. De seguida é a procura de um emprego que te preocupa. A aceitação passa por aí, por ter um emprego. Depois procuras companhia, um amor para toda a vida, como te ensinram. E continuas formatado. Pensas em viver ou casar com essa pessoa. E corres para o banco a pedir um empréstimo para comprar casa. Depois é o casório, ou a vida em comum. A aparelhagem, o vídeo, o dvd, a televisão ( a peça mais importante) e se o dinheiro não chegar os bancos ai estão! Prontos para te emprestar. E tu também queres um carro. Mas um carro que a condizer com a posição social. Afinal tu és alguém. Não sabes quem, mas sentes-te alguém. E mais uma vez recorres à banca. Eles lá estão sorridentes, solícitos, amigos. Eles lá estão e tu também. E um dia alguém te diz que é necessário lutar por direitos que te querem retirar. Mas tu não podes, qualquer dia de trabalho perdido é um sufoco, tens os empréstimos todos por pagar. Não podes lutar. Confias nas pessoas em votas-te. Afinal eles representam o povo. Vives em democracia, nada tens a temer. Mas as leis começam a ser feitas contra ti, 1º contra os de mais baixo estrato social, e aí tu ficas descansado, afinal não és um deles. Tu também tens um curso superior na maior parte dos casos, votaste e tens sido um cidadão exemplar, auxilias quando te pedem, participas nas eleições, és uma pessoa de bem. Sócio do clube da terra até já fizeste parte dos corpos gerentes. Escreves e gostas de debater as ideias. Um homem de bem. Talvez católico, não praticante. Mas depois vêm as leis que te atingem e tu não queres crer. Recusas a ideia de ser tratado como os outros. E continuas a tua saga de pagamentos, contribuições, donativos, altruísmo. Até um dia. Um dia olhas o espelho. E perguntas: quem sou eu? Que faço aqui? Que foi que fiz a mim mesmo?. Mas é tarde. Tens de continuar a viver a farsa. Uma comédia trágica em que o fim anuncia a tua morte enquanto pessoa, ser pensante. E sais de casa. Dás um beijo aos filhos, olhas a tua companheira dos últimos tempo e dizes até logo. Nem lhe pedes desculpa, não sabes como nem porquê. Sabes que já nada faz sentido. Só o amor pelos filhos e mesmo esses estão a ganhar asas. A começar a merda de vida que tu trilhas-te. Queres alertá-los, mas não te deixas. Queres gritar-lhes para serem felizes, para não entrarem neste jogo, mas não podes. Estás formatado. E eles começam a estar. Trabalhas, comes, dormes, a vida não tem paixão, não faz sentido, arrasta-se todos os dias numa monotonia reconfortante e em simultâneo assustadora. Tens casa, carro, tv, e todos os sonhos que um dia te deram. Mas estás morto. Não tens autonomia, não és livre. E fica triste, se fores pessoa de bem. E um dia acordas e dizes á companheira: -desculpa! Dizes aos filhos:- desculpem! E sais para a rua á procura de quem como tu acordou de um sonho, mas estranhamente todos te olham com ar de reprovação. Sentes-te só. Terrivelmente só. Só como se o mundo tivesse desaparecido e não houvesse esperança. E recordas uma canção de Jorge Palma: deixa-me rir. E de repente desatas a rir. Beijas a 1ª mulher bonita que encontras e partes à procura da liberdade que um dia vendeste.

1 comentário:

Maria Arvore disse...

Como diz o Aleixo:
Não sou esperto nem bruto
nem bem nem mal educado
sou apenas o produto do meio
em que fui criado

Porque, na minha modesta opinião,a Santa Liberdade existe nas escolhas que fazemos. E até se pode optar ser «formatado».